sábado, 17 de novembro de 2012

CONTEMPLA A IMENSIDÃO DO PALO



Ricardo Lindemann

Não te permitas esquecer a grandeza da companhia para a qual trabalhas; pois tu, que és ator, poderias esquecê-la no envolver-te demasiadamente no desempe­nho do teu papel. Perderias assim a viva e entusiasmante participação no êxito da peça. Pode haver maior perda para um ator?
Por isso, contempla sempre a imensidão do palco! Ela te fará lembrar constan­temente a grandeza dessa companhia. Sentirás então entusiasmo por pertence­res a ele.
Observa, cada noite, as miríades de mundos estelares que flutuam neste inco­mensurável oceano do espaço celeste. Cada um desses pontinhos luminosos é um astro de tamanho colossal e ocupa um lugar exato neste imenso relógio que é o Universo. Pode haver outro palco mais grandiosamente organizado?
Durante tais contemplações, talvez pensasses que só no infinito seria possível perceber a grandeza dessa companhia… Porém, durante o dia, contempla o Sol com sua magnânima refulgência; em sua grandeza ele vitaliza cada árvore, cada planta, cada pequena erva. E até mesmo numa folha, numa pedra ou apenas em um único átomo, tu encontrarás todo um universo de perfeição, onde se manifesta a grandeza dessa companhia. Pode haver outro cenário mais minuciosamente cuidado?
Contempla, pois, a imensidão do palco, tanto no infinito quanto no infini­tésimo. Ela te impedirá de esquecer que é uma parte do todo.
Observa atentamente a beleza e a perfeição da vestimenta dos atores. Vê que lindas máscaras de carne eles usam. São decoradas com olhos, ouvidos, nariz e boca, sendo compostas de minúsculas células em constante funcionamento, sustenta­das em seu conjunto por outras dos ossos, tão cuidadosamente ocultados. Vê quão lindas expressões elas permi­tem manifestar. Pode haver outra companhia teatral que vista mais suntuosamente os seus atores?
Não confundas, porém, as roupas com o ator, pois estas se desgastam com o uso, precisando ser periodicamente trocadas a cada novo papel. Além disso, cada noite terás que tirá-las, ao final da apresentação, no camarim da existência.
Por isso, contempla sempre a imensidão do palco! Pois se esqueceres que estás apenas representando no teatro da vida, e que não é essa a tua verdadeira exis­tência, poderás te envolver tanto no desempenho do teu papel que te sentirás mais importante que os outros atores, e impor tua vontade aos acontecimentos da peça, comprometendo o harmonioso êxito da mesma.
Acharás, então, que a peça está errada e quererás corrigí-la fazendo "justiça com as próprias mãos", arvorando-te, assim, em autor da peça. Mas, se nem sequer consegues desempenhar fielmente e com brilhantismo um único papel, como poderias ser um autor que necessita planejar e orientar, harmônicamente, centenas ou milhares de papeis?
Por isso, contempla sempre a grandeza do cenário: isso te tornara humilde. Poderás, assim, executar a tua parte nesta gloriosa peça sem perturbares a representa­ção alheia, por pior que ela seja. Aliás, tamanha e a grandeza dessa obra que um mau ator, ou um mero aprendiz, não poderá maculá-la, verdadeiramente, com seus erros. A possibilidade de ocorrência de tais erros já era prevista, de modo que os diretores darão, a esses aprendi­zes, papéis onde esses erros possam se adaptar ao enredo geral. Contudo, eles não poderão sentir a contagiante felicidade dos que participam ativa e conscientemente na peça, buscando o êxito da grande obra. E essa participação, interessada no êxito de toda a companhia, que te fará crescer. Aliás, é pelo desempe­nho nos papéis anteriores que recebemos novos papéis. Os diretores são os que melhor sabem sobre nossas capacidades, pois já foram atores como nós um dia.
Por tudo isso, contempla sempre a imensidão do palco. Ali esta estampada tamanha grandeza, que não poderás deixar de perceber uma presença silenciosa. Esta é a Luz que ilumina todo o teatro e seus inúmeros palcos, atores, diretores... Sem ela não haveria espetáculo! Enxergá-la é penetrar num oceano de alegria infinita. Embria­gados de amor estão os que, para ela, abriram o coração.

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